Se você é fã de música eletrônica e amante da noite Belorizontina, com toda a certeza, você já participou de um evento organizado pelo Léo Ziller. BH Dance Festival, XXXperience, Tribe, Pacha, Tiesto, Fat Boy Slim, Creamfields são alguns exemplos de participação de bastidores feitas por ele.
Diante de tanta experiência e considerado um ícone no mercado de eventos em Belo Horizonte, o Portal B2B, teve o privilégio de realizar essa entrevista, na qual Léo Ziller abriu o jogo sobre o início da sua carreira no ramo de eventos, sobre os bastidores desses grandes eventos realizados por ele e também nos concedeu suas expectativas para o mercado de eventos no futuro.
Assim, com vocês Léo Ziller:
PORTAL B2B: Fala Léo, você é considerado uma referência para muitos quando se fala em eventos em BH. Conta para gente um pouco da sua história, como foi seus primeiros contatos na área de eventos e por que decidiu seguir nessa área?
LÉO ZILLER: “Quando era jovem, antes da invenção dos celulares, tive a sorte de crescer frequentando uma época áurea de eventos e boates de BH, com tiveram as propostas mais incríveis, transgressoras e inovadoras em uma BH que respirava noite e música.
As festas do Marcelo Marent, The Great Brazilian Disaster, Guilden, Droshopyla, Noise, Mercado Mundo Mix, Escape entre outras, eram referências nacionais. Quando se entra em comparações com o passado, é injusto, pois o passado sempre vence, tem toda uma “licença poética” para se dizer que “antigamente era melhor”.
Mas tenho certeza de que peguei a época mais incrível de BH quando se fala de música eletrônica pois, além de ser tudo muito surreal, era algo inédito, então éramos sempre surpreendidos. Eu era frequentador assíduo e dei sorte pois fiz amizades com os melhores produtores e eles meio que me adotaram.
Sempre fui notívago, as pessoas mais incríveis, surpreendentes e brilhantes que conheci foram após a meia note, afinal, quem é interessante às 07h da manhã, concorda? Hehe. Falando sério: tive os melhores professores possíveis e observei muito de perto o nascimento da música eletrônica em BH, uma época extremamente criativa e cheia de figuras célebres e competentes na noite de BH. Deu match.”
PORTAL B2B: Qual foi o primeiro evento você realizou?
LÉO ZILLER: “Faço aniversário no dia do trabalho, então sempre é feriado no meu “bday”. Comecei comemorando meus aniversários junto com outros amigos queridos que faziam na mesma data.
Em 1995 calhou de celebrar em uma casa nova (chama-se Ópera), conseguimos horário para festa, o feriado era daqueles que não se viaja e ajudou. Resultado: foram quase 1000 pessoas!
Estava quase formando em Publicidade e Propaganda na PUC, então me atentei para o setor. Um amigo foi a esse evento e me chamou pra abrir uma boate. Cerca de um ano depois, estávamos abrindo nossa primeira balada, a Ciao Ciao, uma casa vizinha ao Major Lock, como a maioria dos sócios eram publicitários, fizemos uma puta campanha inovadora: a casa tinha um balcão de 15 metros todo de bolinhas de gude com fibra ótica, passamos várias semanas distribuindo bolas de gude nos bares da cidade com cerveja Miller (Éramos a primeira casa a servir Miller do Estado).
Também enchemos a cidade com outdoors só com uma bola de gude sem nada escrito nele. (Um teaser). E fizemos um “Jungle” de rádio para a casa que as algumas pessoas se lembram até hoje, mesmo 25 anos depois. Grudou igual chiclete no ouvido da turma.
Além disso fizemos duas inaugurais (terça e quarta), algo muito pouco usual. No primeiro dia que abrimos a fila externa era o dobro de pessoas que cabiam na casa. Éramos garotos, mas éramos atrevidos, rs.
Na sequência, abrimos o Bwana, depois a UFO, Bom.b.a.r, a club, e depois vieram as festas maiores e festivais, djs gringos, residência no Major Lock, Hangar, Secreto, Bella Vista e Tikal”.
PORTAL B2B: No início da sua carreira, quais eram as maiores dificuldades em se realizar um evento?
LÉO ZILLER: “Começamos a empreender muito novos, começamos o projeto da primeira casa com apenas 23 anos, uma coisa quase inimaginável nos dias de hoje. Antes dos 30 anos, já tínhamos tido 4 grandes boates em BH, a maioria delas para cerca de 1000 pessoas na club, e trazido praticamente todos os djs do país e começamos a trazer djs gringos.
Eram outros tempos, acho que éramos mais destemidos (ou irresponsáveis, vai saber, rs), O fato é que todos esses projetos funcionaram, vim de uma geração onde os produtores de eventos tinham como objetivo abrir casas noturnas. As festas e festivais vieram depois.
Nada nunca foi fácil, mas sempre tivemos uma boa leitura do mercado, acreditávamos nos nossos projetos e, mesmo moleques – por incrível que pareça – sempre conseguimos vender as nossas ideias, seja para patrocinadores ou sócios.
Sempre me cerquei de malucos criativos e competentes o suficiente para tirar projetos do papel e inovar em ideias que quase ninguém acreditava. Tive sociedades muito produtivas, aliás, tenho até hoje. Sem esses parceiros que tive a sorte de encontrar não conseguiria realizar quase nada. Mas nunca foi fácil, e se alguém lhe disser que é fácil é porque ele não sabe do que se trata.
Ralar pesado e ter culhão para inovar são premissas básicas para se empreender nesse setor. E ser sério, cumprir tua palavra e ser honesto são premissas básicas em qualquer setor, isso é o be-a-bá da vida, apesar de não estar muito na moda hoje em dia.”


PORTAL B2B: Quando se fala em música eletrônica em BH, todos se lembram do BH DANCE FESTIVAL, que com certeza, foi um dos eventos mais memoráveis da cena eletrónica de Minas Gerais e que pôde trazer artistas internacionais como Avicii, Alesso, Dimitri e & Like Mike e entre outros. Conta para gente, como foi essa experiência em trabalhar nos bastidores de um evento de tanto sucesso.
LÉO ZILLER: “BHDF foi um marco incrível, mas preciso fazer uma introdução rápida: quem começou tudo isso foi a club, é uma boate para 1000 pessoas que tínhamos no bairro de Lourdes em 2001. Foi ali que, pela primeira vez, colocamos o “dedo no pulso” da cena eletrônica e entendemos a velocidade que poderíamos imprimir sobre o porte dos grandes eventos em BH.
No início anos 00’ produzimos em BH várias XXXperience’s, Tribe’s, Pacha”s, Circuitos Peugeot de Música Eletrônica, Tiesto, Paul Vyn Dik, e uma pancada de djs gigantes.
Fat Boy Slim, em 2006, foram surpreendentes 20.000 pessoas e foi um marco, um “game changer”, foi o maior Fat Boy Slim do país naquela tour. Tenho a impressão que todo mundo se lembra do peso desse evento pois foi muito surpreendente para a época.
E teve ainda, durante anos, o Creamfileds, que chegou a ter 4 pistas simultâneas e quase 20.000 pessoas em uma edição. Acho que foi o mais impactante, pois um grande festival internacional de dance music e BH era o maior Creamfileds do Brasil (tiveram edições em SP, RJ e Curitiba também ). Isso demonstra o potencial que BH sempre teve. Nas edições do Creamfileds, a gente trouxe quase todo mundo que importava e queríamos, de David Guetta a Deadmau5, do Gorillaz ao Sasha, todos de psy trance, enfim, foi muito agressivo para a época.
Depois, “perdemos” a label e não sei direito o que rolou com ela no Brasil. Se o Creamfileds se mantivesse em BH, sem dívidas, continuaria por muitos anos a ser dos maiores festivais do país.
BH tem esse “dom”, as pessoas gostam de vir a eventos na nossa cidade. E na sequência veio o BH Dance Festival, que se tornou o maior festival do estado muito rápido. Ali tivemos a honra de trazer o Avicii no auge da carreira dele e várias outras atrações.
Hoje em dia o BHDF faz parte do Festival Planeta Brasil, negociamos a marca e ela está em ótimas mãos. O BHDF ainda vai dar muita alegria à turma após a pandemia. Foi, e tem sido, um festival referência na vida de muita gente.”
PORTAL B2B: Um outro lugar que ficou marcado na vida dos mineiros foi o Hangar 677. Conta para gente, como surgiu e qual foi a proposta na criação do Hangar 677? E na sua opinião, por que o Hangar 677 foi considerado um dos lugares mais especiais para os mineiros?
LÉO ZILLER: “O Hangar fugiu completamente à proposta inicial, abrimos uma casa de médio porte e, de um ano para outro, estávamos produzindo eventos para 3000 pessoas todas as semanas, chegando até a 9000 pessoas. Nosso grande insight, foi fazer um local modular, de containers para que pudéssemos nos adequar ao público do dia, então a casa funcionava redonda e “na média” com 1000 ou 4000 pessoas, algo inédito na cidade. E para todos que estavam presentes, sempre estava aconchegante, a casa nunca parecia estar vazia. Acredito que o Hangar deva ter sido a maior balada de BH de todos os tempos, pois tínhamos uma média de público de mais de 2000 pessoas todas as semanas durante anos, batendo 4000 pessoas com frequência, o que é absolutamente improvável para o tamanho de BH.
Em 4 anos, recebemos praticamente todas as grandes atrações nacionais, de Alok a Racionais, de Pitty ao Rappa, de Legião Urbana ao Durval Lelys.
Foi uma conjunção de fatores que fizeram o Hangar dar tão certo mas, basicamente, conseguimos em 2016 dar uma cara de festival “open air” ao local, coisa rara até então. E, como tudo que faz sucesso em BH, em pouco tempo nasceram várias cópias da proposta do Hangar, tenho a impressão que BH é a capital mundial da cópia, rs. É do jogo.
Mas não acredito que nada possa ter a mesma quantidade de público que o Hangar teve por 4 anos, como disse, foi uma conjunção de fatores muito difícil de acontecer novamente no mercado”.

PORTAL B2B: Dentre tantos eventos que você realizou, qual você considera o mais especial para você e porquê?
LÉO ZILLER: “Pergunta difícil, pois foram épocas muito distintas. Vou dizer os mais marcantes:
O primeiro Tiësto em 2005, quando nenhum empresário gringo sequer havia ouvido falar de BH, foi histórico! Deve ter sido a primeira vez que o Marisa Hall amanheceu com a pista lotada.
A primeira vinda do Infected Mushroom para BH foi surreal também, eles chegaram de helicóptero quase às 07:00h da manhã e pousaram em uma pista lotada.
O Avicii pelo que ele representa na música eletrônica tem um lugar especial, conseguir trazê-lo foi uma gincana bem desafiadora até o último minuto.
Eu tenho um carinho muito especial por dois festivais que produzimos: Creamfileds por ter sido o mais eclético e maior, em se tratando de música eletrônica até hoje, pois tinham 4 pistas. E o Prime Rock Festival, que aconteceu pela primeira vez em 2019 com as maiores bandas nacionais de pop rock. Ver os pais levando os filhos para assistir as bandas dos anos 80 foi foda. Em julho de 2022, ele estará de volta.
Nosso mercado é muito ingrato, somos tão bons quanto nosso último evento. Mas na real sou bem pouco saudosista, estou sempre focado nos próximos eventos.”
PORTAL B2B: Para quem te acompanha nas redes sociais, é impossível não parar para observar os memes. Com isso, tem sido uma boa ferramenta de estratégia para engajamento como forma de divulgação dos eventos?
LÉO ZILLER: “Aquilo era uma bobagem de quem estava à toa como nunca durante a pandemia. Tenho um tipo de senso humor muito peculiar e, como eu não estava impedido de trabalhar, para não pular da varanda comecei e a buscar memes na Internet e postar. Estava os precisando sorrir.
Mas é basicamente “dark sarcasm”, muita gente não acha tanta graça assim. E viralizou entre amigos. Agora que os eventos estão voltando, quem curtia vai ser obrigado também a ver os eventos que estamos produzindo, rs. Mas não foi nada além de uma bobagem sadia que viralizou entre amigos”.
Portal B2B: Como todos sabemos, o cenário de eventos foi muito prejudicado por essa pandemia. Quais alternativas você encontrou para tentar contornar a situação?
Léo Ziller: “A prefeitura de BH deu muito pouco suporte até hoje ao setor, um verdadeiro ABSURDO! Faço parte da comissão de retomada e até hoje quase nenhum dos nossos pleitos foram atendidos, zero subsídios, nem um incentivo e, em Setembro de 2021 após 19 MESES, até hoje não temos um calendário de retomada definido, pois sem ele, não a conseguimos nos planejar.
Reunimos inúmeras vezes com o Kalil e secretários, mas infelizmente, na prática, não conseguimos ainda quase nenhum incentivo e subsídio ao setor mais prejudicado pandemia. Existe, mesmo no estágio atual da retomada, uma grande falta de “vontade” política da prefeitura e secretaria de saúde contra o setor de eventos.
Fica aqui registado, um apelo ao prefeito Kalil para que reveja isso e possa ajudar uma indústria tão importante como a do entretenimento, pois fomos, literalmente, abandonados! Um absurdo a forma como fomos e temos sido tratados pelo poder público.”
Portal B2B: Nessa retomada, quais são suas expectativas para o mercado de eventos?
Léo Ziller: “BH ainda está muito atrasada em relação a outras capitais na retomada. Pelos decretos atuais, quase nenhum produtor sério consegue ainda realizar eventos. A pandemia foi muito injusta com nosso setor, mesmo estando parados há 18 meses somos tidos por muitos como os grandes culpados e vilões da pandemia. Espero que o secretário da saúde, Dr Jackson, olhe com melhores olhos para o nosso setor e adiante etapas nas próximas etapas. A cidade está toda aberta e somente o nosso setor está sem poder trabalhar com protocolos viáveis.
Parei de fazer previsões nessa pandemia em BH infelizmente. E perdi também a confiança que eu tinha nas promessas vindas da prefeitura e da secretaria de saúde. Fiz tudo o que eu podia para ajudar, mas a prefeitura de BH realmente não dá a devida importância ao calendário de planejamento de uma retomada segura e responsável do nosso setor. A falta de um olhar mais apurado para o setor vai deixar muitas sequelas em todas as produtoras de BH.
Hoje em dia eu nem acredito mais que o Kalil vá nos dar subsídios ou benéficos, descontos em impostos futuros, ou qualquer uma das contrapartidas que pedimos.
Agora, em setembro de 2021, após 18 meses de tentativas e depois de várias promessas que ouvimos, eu perdi a fé e a crença que eu tinha na prefeitura de BH.”

PORTAL B2B: Por fim Léo, o espaço é seu. Deixa uma mensagem para o pessoal do que a gente pode esperar pro futuro, de alguma novidade, algo que dê esperança para o retorno.
LÉO ZILLER: “Abrimos um bar em uma floresta no Vila da Serra chamado Tikal onde pretendemos ter cada vez mais uma programação musical voltada para à pista. Vale a pena ficarem atentos, pois o local é incrível. Trouxemos um puta chef de cozinha (@djalmavictor) e toda noite temos dois djs tocando.
E, hoje em dia, nosso escritório diversificou e está produzindo espetáculos de grandes artistas nacionais também, fizemos os dois últimos shows do Skank na cidade, temos pela frente Djavan, Caetano Veloso entre outros. Trabalhar com esses artistas tem sido muito gratificante, pois são músicos sublimes com uma história extraordinária.
Sobre a cena de dance music, confesso que vinha achando a música eletrônica um pouco “barulhenta em excesso” ultimamente. E entendo que a garotada ama e essa pode ser somente a opinião de um antigo ancião. Mas tenho visto, já a algum tempo, novos produtores e djs com vertentes bem interessantes e surpreendentes. E isso é extremamente motivador!
Acredito que muito em breve teremos novidades para apresentar em BH e que a cena vai acolher novos sons com um BPM’s mais “amigáveis”. A música eletrônica é cíclica, as pessoas tendem a ir afinando os ouvidos com o passar dos anos e tenho certeza de que esses grandes festivais e novos produtores irão, muito em breve, aprimorar essas buzinas e drops óbvios, pelo menos essa é a minha torcida.
Se eu pudesse escolher, gostaria que BH tivesse uma nova fase focada em House Music e uma pegada mais disco, esse é o sonho desse tiozão aqui, não tem música mais apropriada para um mundo pós pandemia. A música eletrônica está no meu DNA, não tem jeito, estaremos sempre flertando com ela, seja na dançando na pista ou produzindo eventos. No Tikal estaremos fazendo a nossa parte e, a cada dia, tentando fazer melhores pistas.”
As expetativas nessa retomada são grandes, mal podemos esperar por todos esses eventos e essa nova roupagem que vem surgindo. E esse foi Léo Ziller, uma das principais figuras na cena eletrônica de BH.